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Absolutamente adorável: um filme na Netflix para levantar o espírito e alegrar o coração

“Coragem, seu nome é mulher.” Certamente, esse é um dos lemas de Greta Gerwig, diretora de “Adoráveis Mulheres”, um sucesso desde 1868, quando a história de quatro irmãs destemidas, cada uma a seu modo, foi publicada pela primeira vez, em formato de romance. Há 150 anos, a pena de Louisa May Alcott (1832-1888) reverbera o anseio feminino por liberdade, e ainda mais, por independência. Em 2019, Gerwig se mostra uma mensageira à altura da mensagem que Alcott quis transmitir. Lamentavelmente, certos assuntos continuam na ordem do dia.

“Adoráveis Mulheres” já foi transformado em série de televisão, peça de teatro, e virou longa-metragem por duas vezes, uma delas durante o cinema mudo, em 1933 — dirigida por George Cukor (1899-1983) com Katherine Hepburn (1907-2003) no papel de Jo March, que coube a Saoirse Ronan na versão de Gerwig —, e seis décadas depois, em 1994, sob a direção de Gillian Armstrong. “Adoráveis Mulheres” é inovador? Claramente não, mas ainda assim encanta: dotada de um senso estético raro, a diretora foi a rainha do mumblecore, gênero que congrega os filmes de baixo orçamento, contando com colaborações de peso, como a de Noah Baumbach, de “História de um Casamento” (2019). Há uma grande ironia aí. Gerwig e Baumbach são casados, e em 2020 deram uma prova cabal de que protagonizam uma relação tão saudável que nem a concorrência no Oscar, na principal categoria, a de Melhor Filme, separou os dois. Como se sabe, o vencedor foi o sul-coreano “Parasita” (2019), de Bong Joon-ho. Em 2010, Kathryn Bigelow e James Cameron também disputaram a preferência da Academia com “Guerra ao Terror” e “Avatar”, respectivamente, mas já estavam separados há quase vinte anos. Bigelow levou as estatuetas de Melhor Filme e Direção.

Em “Adoráveis Mulheres”, Greta Gerwig demonstra como situar uma narrativa de século e meio atrás na efemeridade da contemporaneidade, que pode aniquilar o espírito dessas histórias. Gerwig tira o livro de Alcott da bruma do tempo através de flashbacks oportunos, provocando um contraste acentuado entre as sequências em que a forte carga de emoção é imprescindível e as mais líricas, às vezes até românticas. É sabido que adaptações cinematográficas de textos literários raramente agradam a todos, especialmente os puristas de ambas as partes, porém a diretora tem o dom de elaborar reviravoltas nada simplórias ao longo dos 135 minutos.

A natureza libertária do quarteto de irmãs-protagonistas Jo, Meg, Amy e Beth March está integralmente preservada, com destaque para a personagem de Ronan, narradora da história, não por acaso indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel. Como uma possível nova Meryl Streep — também no elenco, interpretando uma tia carrancuda —, “Adoráveis Mulheres” proporcionou a Ronan a quarta indicação ao prêmio máximo do cinema. Pelo que se vê no longa de Gerwig, seu momento de vitória não deve tardar. Jo, sem dúvida a mais audaciosa das irmãs March, serve como um alter ego para Alcott. O filme a apresenta não em sua New Hampshire natal, um lugar que sufoca vocações artísticas, mas como uma dedicada residente de uma pensão em Nova York, apostando tudo no sonho de se tornar escritora. Jo perambula pelas ruas da metrópole com o manuscrito original de seu trabalho, visitando diversas editoras, até que se depara com o editor interpretado por Tracy Letts, que aprecia seu estilo, mas a adverte que provavelmente acabará no anonimato se não incluir em seus finais de romances a palavra casamento e todas as ideias tacanhas, perversas, e até então obsoletas que esta encerra: renúncia à dignidade, à individualidade, ao sonho de uma carreira, à felicidade, enfim. Durante essas andanças, ela também conhece o professor Bhaer, interpretado por Louis Garrel, que avalia seu estilo do ponto de vista estético e tece comentários tão mordazes que fariam qualquer outra pessoa desistir, mas como é um intelectual digno desse nome, Jo acaba se abrindo para ele.

Com cuidado, Gerwig vai inserindo na história, apoiada no roteiro coescrito com Sarah Polley, as outras três irmãs, suas aspirações amorosas, por meio do matrimônio ou não, o choque com a família provinciana, a inadequação com uma vida que nem parece ser verdadeiramente delas. Personagens masculinos, fica claro, não são o forte do filme, mas Laurie, o ex-vizinho dos March interpretado pelo sempre encantador Timothée Chalamet, é uma exceção. Parecendo o mesmo jovem desprotegido de papéis como Elio, de “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017), dirigido por Luca Guadagnino, Chalamet consegue, com seu cabelo menos desgrenhado, roubar a cena e o coração das irmãs March, mesmo que o destino o afaste cada vez mais delas.

Fiel ao espírito arguto de Louisa May Alcott, que optou por priorizar o núcleo dos March, e explorar a natureza das relações entre essas pessoas, seus afetos e conflitos, relegando a Guerra de Secessão (1861-1865) ao papel de pano de fundo histórico, Greta Gerwig narra as desventuras de uma jovem que se apaixona, mas não está disposta a sacrificar o sonho de sua vida para viver esse amor. Jo é uma mulher que, como 150 anos atrás, sofre por amor e por não amar. E, da mesma forma, as mulheres continuam sofrendo hoje.


Filme: Adoráveis Mulheres
Direção: Greta Gerwig
Ano: 2019
Gênero: Drama/Coming-of-age/Romance
Nota: 9/10

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